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Avançamos no isomorfismo no ensino superior?

A palavra isomorfismo nos remete à ideia de “formas idênticas”. No ensino superior, acredito que estamos avançando em um processo em que somos mais semelhantes do que diferentes. No EAD, os modelos são mais isomórficos do que diferentes, os modelos de organização acadêmica e administrativa das IES também se tornaram mais iguais do que diferentes. Aliás, parece que estamos nos aprofundando no processo de terceirização de projetos, serviços e ferramentas pedagógicas.

Penso que uma instituição de ensino superior, ou qualquer instituição de educação, precisa ser o local da criatividade, da inovação, da formação de cidadãos para o mundo, de geração de conhecimento.  Faz muito tempo que li “Creative Schools”, de Ken Robison. Em minha memória, o autor faz críticas ao avanço das padronizações e ao modelo de educação industrial.

Criar, dar sentido a um projeto institucional, ter equipes que pensam a IES do ponto de vista acadêmico, por exemplo, requer tempo, investimento em gente, talento e conhecimento. Faço perguntas para provocar a reflexão: será que estamos nos abdicando de criar e de dar sentido à dinâmica acadêmica para nos aprofundarmos na terceirização? Qual o limite entre criar e terceirizar?

Escrevo a partir de uma percepção da dinâmica do ensino superior. É fato, caro leitor, que estamos caminhando a passos largos para um isomorfismo no ensino superior? Se sim, há perigos à vista, pois o que vai diferenciar nossas IES? Deixamos de criar e de gerar energia com a elaboração de projetos e passamos a gerenciar produtos, ferramentas e conteúdos que outras IES também possuem.

Sim, cada instituição pode dar a “sua cara e identidade” aos produtos e ferramentas, o que exigirá gente qualificada, capacidade de customização e desenho do que será realizado. Neste aspecto, a terceirização exige gestão, equilíbrio e compromisso com a educação e com os talentos.    

Se avançarmos no isomorfismo, no entanto, o coração acadêmico da IES poderá não pulsar com intensidade e podemos nos tornar meros cumpridores de tarefas demandadas por mecanismos tecnológicos. Uma IES precisa ser capaz de criar e de organizar sua dinâmica acadêmica a partir da sua identidade e propósito.

Estamos envolvidos em um diálogo e reflexão de como fazer da melhor forma possível a curricularização da extensão, que deveria ser algo comum e sem dores internas em IES que, naturalmente, possuem projetos de impacto social. Se há projeto de impacto, há evidências, então basta registrar e fortalecer os vínculos com a área acadêmica em IES bem organizadas, o que deveria ser rotina.

Até podemos adquirir ferramentas para registrar e criar evidências para “provarmos” que estamos fazendo curricularização da extensão, mas acredito que a extensão nasce, é concebida, desenvolve-se e gera impacto social a partir da missão e do propósito institucional. Isto é algo que faz parte da essência da IES e, talvez, não deva ser terceirizado.

Quero deixar claro que não sou contra a aquisição de projetos, ferramentas e serviços, desde que façam sentido para a IES, que sejam customizados, no que for possível, e tragam eficiência e eficácia. As IES não precisam de projetos, ferramentas e serviços que sejam apenas mais um penduricalho tecnológico, elementos em que mal sabemos como fazer a gestão, o acompanhamento e a implementação, contribuindo para a perda da criatividade e da inovação.

Acredito que cabe aos gestores estimularem o coração acadêmico da IES, que representa a sua “alma” e faz a instituição ter sucesso. Há muitas IES, por exemplo, que se dedicam a produzir e adquirir o que é coerente com seus propósitos institucionais e segmentos em que atuam. São IES com identidade, propósito, planejamento e gestão de pessoas bem definidos. Provavelmente, estas IES “jogam outro jogo” no mercado educacional, deixando claro para a sociedade o que pretendem e como atuam.  

O problema não está na oferta de ferramentas e serviços, mas na forma como os consumimos e incorporamos em nossas IES, muitas vezes de forma não-estratégica. Em virtude disto, temo um investimento menor em professores, em aprendizado dos estudantes, em elaboração de projetos, em geração de ideias e inovação.

Se nossas instituições avançarem na terceirização, o que poderá acontecer? As IES provavelmente terão que decidir entre buscar um “consumidor” que deseja serviços e ferramentas mais “gourmetizados” (para usar uma palavra que está em evidência) ou mais padronizados. Se optar pelo padronizado, estará disputando um jogo com grandes players educacionais.

O isomorfismo pode gerar a “morte da IES”, no sentido figurado.  A IES poderá se transformar em uma instituição como tantas outras, disputando espaço com todas que são semelhantes. Neste cenário, o preço será uma das poucas estratégias de atratividade para novos alunos. Talvez, o debate não esteja entre terceirizar ou não, mas entre ter identidade e propósito e se tornar semelhante à maioria.

Espero que nossas IES tenham vida, que sejam locais de formação cidadã, de criatividade, de troca de ideias e estímulo aos novos talentos.  Para isto, é preciso ter estratégia, conhecimento, vontade, recursos e propósito educacional. Sugiro que nossas IES planejem a transformação digital com pessoas qualificadas, inovadoras e empoderadas.

PS: enviei o artigo para duas pessoas que gosto e confio, um reitor e um executivo de uma empresa de tecnologia. Recebi os comentários após terminar o texto acima. Por favor, leiam os comentários.

Reitor: “A meu ver estamos terceirizando (…) o que ‘importa’ menos, para fazer dentro de casa o que ‘importa’ mais (…) acho que é importante o artigo fazer essa distinção clara de que algumas coisas talvez sejam melhores se não forem terceirizadas, mas outras precisam ser”. O Reitor defende que é preciso terceirizar o que for preciso e que não desenvolverá tecnologias que já estão disponíveis.

Executivo: “muitas IES (…) não conseguem investir na produção do conteúdo, não conseguem reter professores, não conseguem remunerar além da carga horária destinada ao docente na sala de aula (…) entendo que a terceirização, do que antes era ‘core business’, como algo quase de sobrevivência. Algumas atividades (…) passaram a ser commodity. Não vejo (a terceirização) com maus olhos, desde que o parceiro seja bem escolhido (…) percebo um movimento muito forte dos fornecedores no sentido de entregar (…) ferramentas que permitem a customização (…) se eu montasse uma IES hoje, usaria bons fornecedores que me permitissem a customização. Gastaria meu tempo com temas estratégicos”.       

Os comentários mudaram minha opinião? Sobre o avanço do isomorfismo, não. Continuo preocupado com os avanços dos processos que tornam as IES mais iguais do que diferentes. Sobre a terceirização, ela é bem-vinda, desde que planejada, customizada e avaliada constantemente. É fato, uma IES dificilmente consegue produzir tudo que é necessário para ela funcionar nas áreas acadêmicas e administrativas. As startups educacionais são bem-vindas.

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Por que é preciso fazer a transformação digital da IES?

Escrevi no mês de abril um texto sobre transformação digital (TD) (https://fabiogarciareis.com.br/por-que-fazer-transformacao-digital-e-urgente/). Retorno ao tema, porque é um assunto recorrente em nossos debates e está na pauta dos gestores. Recentemente, em conversa com um reitor, falamos sobre por que uma IES deve investir na TD. Antes de falar do porquê, algo que já comentei no artigo anterior, vou apresentar algumas definições e fazer uma rápida análise de contexto, para facilitar a compreensão desse porquê.

No site da Educase (https://www.educause.edu/focus-areas-and-initiatives/digital-transformation) encontramos boas análises e uma definição que nos leva a entender a TD como “o processo de otimização e transformação das operações, direções estratégicas e propostas de valor das instituições, através de mudanças profundas e coordenadas em cultura, pessoal e tecnologia”. 

A Amazon entende a TD como um “processo que uma organização aplica para integrar tecnologias digitais em todas as áreas de um negócio, modificando fundamentalmente a maneira como ela agrega valor aos clientes” (https://aws.amazon.com/pt/what-is/digital-transformation/). A Starse, como o “processo de mudança ou melhoria de desempenho de um modelo de negócio corporativo, com base na utilização de ferramentas digitais e tecnologias inovadoras, para que ocorra a substituição de práticas exercidas anteriormente, aprimorando ainda mais a experiência do cliente, bem como a obtenção de vantagens competitivas”. (https://www.startse.com/noticia/nova-economia/o-que-e-transformacao-digital-11-dicas-de-como-fazer-isso-muito-bem/). No site da FIA, encontramos a seguinte definição: “é uma mudança de mentalidade que as empresas passam com o objetivo de se tornarem mais modernas e acompanharem os avanços tecnológicos que não param de surgir” (https://fia.com.br/blog/transformacao-digital/). 

As definições são convergentes e apontam semelhanças nos conceitos, com palavras que são chaves para compreender a TD: processo, estratégias para otimizar, competitividade, mudança de cultura e mentalidade, integração das tecnologias, novas tecnológicas e melhoria do desempenho institucional e aprimoramento da experiência do cliente. A TD não é um modismo, é uma necessidade. O tema está presente nos debates desde a década de 1990, todavia, com o avanço das tecnologias da informação e com a pandemia, o debate sobre o tema se intensificou. Há uma tentativa de se compreender seu significado, impacto e importância para as IES.

Os últimos dois anos foram de crises e de aprendizados, que abriram espaço para as oportunidades. O contexto é de escassez de recursos financeiros, dificuldade de captar novos estudantes, concorrência intensa e baseada no preço das mensalidades, desconfiança sobre o valor do ensino superior, novos concorrentes que oferecem formação para o mercado de trabalho com preço e tempo menores, avanço dos negócios da educação, disponibilidade de novas tecnologias, mudança do comportamento e dos valores dos jovens, entre outros fatores que incidem na dinâmica e organização das IES. Num ambiente de incertezas, todos esses fatores estão em um liquidificador, sendo misturados. Imagine o caldo complexo e difícil de descrever, com a mistura de tudo isto. A sensação é de que precisamos fazer mais, com menos recursos e melhor.

Cabe ao gestor zelar pela viabilidade financeira da instituição e pela qualidade da oferta do serviço educacional. Ele, provavelmente, busca melhorar a eficiência institucional através de processos que otimizam o desempenho financeiro, garantam a perenidade da IES, intensifiquem as experiências e a satisfação dos usuários e qualifiquem o modelo acadêmico, porque é isto que, no “final do dia”, garante a superação das crises e o sucesso institucional.

Portanto, tendo como parâmetro esse contexto, porque uma IES precisa fazer TD? Uma resposta possível é: para melhorar a performance dos processos, serviços e projetos acadêmicos e administrativos, com estratégias que utilizem a tecnologia digital, garantam a boa experiência dos usuários e gerem mudanças na cultura institucional. A TD deve proporcionar a otimização da operação institucional ou até ser um dos pilares da mudança do modelo de negócio.

A TD não é uma ação que se faz em um ano. Ela é um processo que requer planejamento e o desenho de um plano. A IES que se propõe a fazer TD precisa estar disposta a mapear as tecnologias disponíveis, a destinar um orçamento para viabilizar essa transformação, a designar um grupo responsável pelo projeto e a ter uma “carta de navegação”, para saber aonde quer chegar.

A TD, ao melhorar os processos e torná-los ágeis na secretaria acadêmica e em outros setores, ao fornecer indicadores de desempenho e possibilitar a análise preditiva das informações institucionais, ao melhorar a experiência do usuário e a aprendizagem dos estudantes e ao ter a tecnologia como instrumento de mudança institucional, indica que desconsiderá-la é navegar por tempestades, considerá-la como estratégia é buscar luz e perspectiva de um futuro provavelmente saudável.   

A TD tem como alicerce o uso das tecnologias, mas não é isto que garante o sucesso da transformação. O que garante o sucesso é a mudança de mentalidade, é a abertura para o novo, é a vontade de priorizar a experiência dos usuários, especialmente dos estudantes.

O gestor de uma IES, ao declarar que prioriza a TD terá que induzir a IES a utilizar as tecnologias digitais nos seus diversos setores, com planejamento. Muito provavelmente, as instituições já possuem ações e processos de TD, mas é importante que as ações estejam conectadas, desenhadas e planejadas, para que não se transformem em “penduricalhos de tecnologias” fragmentadas. 

Espero que os gestores iniciem ou fortaleçam a transformação em diferentes setores da IES, mas façam isso o mais rápido possível. Definitivamente, conhecer e utilizar os recursos tecnológicos digitais indica que a IES quer melhorar seu desempenho acadêmico e administrativo.   

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É preciso ampliar a lupa para compreender o estudante

Nos dias 28 e 29 de julho, participei da reunião do G7 (Rede 7 / Semesp), em São Luís do Maranhão, no Centro Universitário Dom Bosco (UNDB). No encerramento do encontro, ouvimos uma reflexão da reitora e professora Ceres Murad. Ela falou sobre a necessidade de ampliarmos nosso olhar sobre a diversidade, o perfil dos jovens e a necessidade de engajamento social da IES.

Segundo Murad, é preciso que os dirigentes de IES ampliem sua lupa para olhar o mundo de maneira mais ampla. A reitora tem razão. O mundo é outro (afirmação óbvia), mas nem sempre o percebemos, o compreendemos, o aceitamos. Ela defende que precisamos entender os jovens e suas demandas.

É nessa perspectiva que o Semesp propôs o tema do FNESP 2022: É sobre o estudante, sim! Durante o encontro do G7, o reitor da FAESA, Alexandre Theodoro, relatou suas andanças pelo pátio da instituição e seu diálogo com os alunos. Fico feliz em escutar relatos como esse. É preciso que os gestores de IES estejam mais próximos dos estudantes.

Um dono de uma loja de carro precisa entender de carro, um dono de uma loja de pneus precisa entender de pneu, um gestor de uma escola precisa entender de educação e de jovem, ou estou errado? Fico preocupado com a desconexão de visão de mundo entre os jovens e os líderes das IES.

Reconhecer a diversidade supõe respeitar a diferença e ter diretrizes que orientam a comunidade acadêmica. É preciso combater atitudes racistas, homofóbicas, misóginas, entre outras, que não respeitam o outro. É preciso que façamos pesquisas constantes para saber o que os jovens pensam e desejam, em especial após a pior fase da pandemia, pois precisamos entendê-los e cuidar do seu bem-estar. É preciso proporcionar experiências sociais e coletivas para os jovens, em especial, as que tenham engajamento social.

Respeitar a diversidade não significa abandonar a assertividade do processo educativo e a identidade institucional. Cada vez mais nossas IES necessitam estar preparadas para atuarem no “mundo de hoje”. Por isso, recomendo que os gestores ampliem sua lupa para olharem o mundo de forma mais ampla e compreensiva.

Espero que nossas IES sejam mais inclusivas e que exerçam seu papel educativo. A inclusão implica, inclusive, cuidar do bem-estar de nossos estudantes. Gestor que cuida do estudante tem um olhar holístico.

Caros leitores, por favor, não deixem de ler e comentar meus artigos.