Uma visão pessimista: o temor de que o mais do mesmo prevaleça.

Lemos artigos  e livros, participamos de webinares e conversamos com diversas pessoas sobre as transformações que a pandemia deveria gerar no comportamento das pessoas e na organização e dinâmica das IES. Criamos expectativas de um mundo melhor.  

Eu sou um otimista e sonhei e sonho com mudanças no ensino superior, acredito no poder da inovação, na vontade das pessoas, em especial dos líderes ousados e corajosos em fazer transformações institucionais, em função das oportunidades trazidas pela pandemia. 

O Semesp, o Consórcio Sthem Brasil, a MetaRed e tantos outros eventos e movimentos têm apontado soluções e trabalhado para uma mudança de mindiset. Pintamos um novo normal com as cores da inovação.

Será que as mudanças que foram projetadas serão consolidas? Às vezes, um cenário pessimista aparece em minha perspectiva e o olhar sobre as mudanças fica mais escuro. A crise econômica, política, ética e da própria democracia deveria despertar o desejo de comportamentos  empáticos, de defesa de ações de solidariedade e de justiça social, da democracia como uma conquista  inegociável, de uma educação  humanizada em contexto que requer solidariedade e respeito em relação à dor da perda da vida e das injustiças.   

Não há ausência de ações em defesa dos temas relacionados acima no ensino superior, mas, talvez, seja preciso avançar e organizar ações de maior impacto. Nossas IES estão lutando para superar a crise da evasão, da captação e da baixa disponibilidade de recursos financeiros. Em muitos casos, é um luta pela sobrevivência, mas é preciso termos consciência de que somos instituições de educação, de formação cidadã e que o compromisso social é algo que deveria ser inerente a nossa existência. Temas como empatia, igualdade, equidade, justiça, formação humana, solidariedade, ética e democracia precisam estar presentes em nossa dinâmica acadêmica.   

Nós, das IES, fazemos discursos e afirmamos que somos inovadores, mas precisamos ter projetos inovadores muito bem desenhados, ter propostas de uma educação híbrida consistente, ter ensino baseado em projetos ou desafios bem estruturados e acompanhados pelos professores, ter programas de acompanhamento do desempenho acadêmico e da estabilidade da saúde metal dos professores e dos alunos. 

Temo que inovações sejam feitas sem planejamento, que mudanças sejam organizadas para baixar custo (o que é necessário e legítimo), mas que carecem de solidez acadêmica.  Temo que o desejo de retorno ao presencial seja maior do que o desejo de uma educação híbrida bem estruturada. Temo que as avaliações aplicadas aos estudantes continuem sendo “decoreba ou repetições de livros, artigos ou de slides e falas dos professores. Temo que a formação por competência seja um desejo continuo, mas uma realidade e prática distante. Temo que o diálogo com o setor produtivo continue sendo objeto de palestras, pesquisas e de conversas entre gestores. Temo que continuemos com pouca atenção à capacitação dos professores, bem estruturada. Temo gestores de IES autoritários e centralizadores.  

Temo um retrocesso no home office. Aprendemos que é possível trabalhar de qualquer lugar com qualidade e entrega.  Em 2006, José Joaquin Mira, da Universidade Miguel Hernandez, da Espanha, já falava: Fábio, você já pode trabalhar de qualquer lugar?”.  Estou argumentando em causa própria? Não. Eu desconfiava do home office, no entanto, a produtividade do Semesp, onde trabalho, aumentou em 2020. E eu escrevo sobre assuntos em que acredito. 

Temo o apego a infraestruturas, temo que os discursos sejam bonitos e inovadores, mas as formas das coisas sejam as mesmas. Temo que criamos a possibilidade da mudança, mas solenemente, recuamos, em função de convenções que não queremos superar, de tradições, de resistências à mudança cultural. Não basta pintar a parede de cores rejuvenescentes e ter móveis com design inovadores, é preciso ter uma mente inovadora.

Temo que o MEC não avance em sua agenda de desburocratização, temo que continuemos acreditando que não é possível inovar, porque o MEC não deixa ou porque o avaliador não entende a mudança em direção à inovação. Temo falas assim: a inovação é incompatível com a avaliação do MEC, portanto, vamos fazer pequenos ajustes. Pequenos ajustes são bem-vindos, mas não transformam a IES.    

O estudante já pode aprender a qualquer hora e em qualquer lugar, basta ter acesso à internet. Temo o pouco investimento em tecnologia, em acesso, em Laboratórios virtuais, em Inteligência Artificial, em Realidade Aumentada.

O estudante com acesso remoto à educação  elimina a presencialidade?  Não. Não elimina o contato social, não elimina a presença do estudante no campus para o desenvolvimento de projetos e outras vivências colaborativas, de fortalecimento das inter-relações. A infraestrutura dos campus precisará ser reorganizada. É preciso aceitar que o mundo será híbrido, que as pessoas não irão diariamente  ao escritório, que o aluno não irá todo dia para a IES. Temo resistências ao redesenho do currículo, porque a “grade currícular” nos dá segurança, já que há séculos estão organizadas da mesma forma.

É preciso desapegar e mudar concepções. É preciso ter coragem e conhecimento, é preciso dialogar. O texto que escrevi acima talvez seja resultado de uma noite mal dormida ou de algum pesadelo. Os temores são pessoais, portanto, os meus temores podem não ser os do leitor, mas faço um convite: trabalhemos juntos para mudar a educação. Vamos juntos embarcar para um futuro com paradigmas consistentes de inovação em nossas IES. Em minha bola de cristal, se os temores indicados acima se consolidarem em alguma IES, essa instituição terá mais passado do que futuro. Olhemos o mundo sem as amarras do mais do mesmo.

Fim. 07h57 minutos, do dia 01 de junho.      

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